João d’Alvarina

Em Leirosa, uma localidade piscatória do concelho da Figueira da Foz, existe um museu particular dedicado ao mar, na perspetiva do seu proprietário, João d’Alvarina. O Museu de Pesca é o resultado de quase cinquenta anos de trabalho como pescador, aliados a um extraordinário acervo de objetos e conhecimentos que foi adquirindo ao longo dos anos.

Filho e neto de pescadores, João d’Alvarina iniciou-se nas lides da pesca aos 10 anos, aprendendo a remendar as redes de pesca no mesmo armazém onde hoje tem o seu museu. Este armazém, que na altura pertencia ao Dr. Elísio Santos Silva, carinhosamente conhecido em Leirosa como o “médico do povo”, foi o seu local de trabalho até aos 14 anos. Foi com essa idade que tirou a cédula marítima e partiu para Lisboa, onde começou a trabalhar na pesca do arrasto costeiro, atividade que viria a desempenhar ao longo de toda a sua vida profissional.

A única interrupção deu-se quando foi chamado para cumprir o serviço militar obrigatório, aos 19 anos. A pesca do bacalhau surgiu como alternativa à guerra colonial, já que havia sido ativado um decreto-lei que isentava do serviço militar os tripulantes dos navios bacalhoeiros que fizessem sete anos consecutivos na pesca do bacalhau. João d’Alvarina andou na “faina maior” mais do que os sete anos que o decreto-lei exigia, tendo começado por trabalhar como redeiro, antes de se tornar mestre de redes do navio Luís Ferreira de Carvalho. Em 1980, oito anos após ter partido para a primeira campanha de pesca do bacalhau nos mares gelados do Atlântico Norte, regressou definitivamente a Portugal para continuar a sua carreira na pesca do arrasto costeiro. Primeiro como mestre de redes, até aos 32 anos, e depois como mestre de arrasto costeiro, João d’Alvarina percorreu a costa portuguesa e espanhola em busca dos melhores locais para pescar, tendo sido inúmeras vezes campeão nacional na pesca do arrasto. Poucos anos antes de se reformar, decidiu adquirir o armazém onde havia começado a sua carreira, e onde se casou, para transformá-lo no seu museu particular.

O Museu de Pesca de João d’Alvarina destaca-se entre o casario de Leirosa pelas suas cores e formas marinhas, que vão desde alcatrazes e gaivotas até lagostas, douradas e corvinas. A pintura do armazém, feita pelo próprio João d’Alvarina, é o primeiro convite para entrar no seu universo particular. Lá dentro, encontra-se um património marítimo – material e imaterial – de indiscutível relevância e valor, sobretudo na perspetiva de quem trabalha na faina do mar. Entre as centenas de peças que compõem o seu acervo, como fósseis, ossos de baleias ou instrumentos náuticos, o grande destaque vai para as cartas náuticas e para os mais de cinquenta esquemas de redes, destinados aos mais diversos tipos de pesca. Tanto as redes como as cartas em exposição carregam em si o saber acumulado de várias gerações de pescadores. O melhor exemplo disto são as cartas náuticas, que foram criadas com base em milhares de apontamentos feitos por João d’Alvarina ao longo da sua carreira, assim como em apontamentos cedidos por outros pescadores. As informações contidas nesses apontamentos, que agora estão nas cartas náuticas dispostas ao longo do museu, permitem saber, por exemplo, a posição GPS e a profundidade em braças de centenas de navios afundados entre Cádiz e Santander. Outra curiosidade: em frente a Aveiro, existem inúmeras embarcações de madeira afundadas, o que faz com que seja uma zona com muita abundância de fanecas, atraídas pela madeira em decomposição. Estas e muitas outras informações, preciosas para qualquer pescador, estão disponíveis nas cartas de pesca, como lhes prefere chamar João d’Alvarina, que cobrem as paredes do seu museu. Sem qualquer ajuda do Estado, João d’Alvarina criou um museu que recebe a visita de várias escolas da região, entre muitas outras visitas. “Sabe bem partilhar isto”, diz João d’Alvarina enquanto fecha o portão do armazém onde entrou pela primeira vez aos 10 anos. Nós agradecemos.

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