Frederico Guedes

Localizada no centro do Cartaxo, mais precisamente no número 5 da Rua Batalhoz, a Drogaria Howell Guedes é um símbolo do comércio tradicional desta cidade ribatejana. Fundada em 1904, a drogaria mantém-se na mesma família há 120 anos. Tudo começou quando um engenheiro civil inglês, chamado Frederic George Howell, mudou-se para Portugal para ser um dos responsáveis pela construção do sistema de canalização que viria a transportar as águas da nascente do rio Alviela até à cidade de Lisboa. Tendo comprado uma quinta no Cartaxo, o inglês casou-se com Carolina Guedes, uma jovem da terra, com quem teve três filhos. Dinâmico e empreendedor, Frederic Howell criou os seus próprios negócios e chegou, inclusivamente, a ser presidente da Câmara do Cartaxo entre 1904 e 1912. Como curiosidade, Frederic, que era um republicano convicto, iniciou funções como autarca durante a Monarquia Constitucional e terminou dois anos depois da Implantação da República Portuguesa. Um dos negócios que criou, juntamente com a sua esposa, foi a Drogaria Howell Guedes, a qual passou a comercializar os mais diversos produtos químicos, de limpeza ou de beleza, alguns dos quais produzidos em laboratório próprio.

Uns anos mais tarde, Frederico, um dos filhos do casal, assumiu a gerência da drogaria, atividade que conciliou com a de farmacêutico. Foi ele que criou as fórmulas, ainda hoje secretas e guardadas pela família, de dois produtos emblemáticos da Drogaria Howell Guedes, o Milagroso, um produto de limpeza de móveis, e o Luminoso, destinado a devolver o brilho ao alumínio.

Com a morte de Frederico, ainda relativamente jovem, o filho Fernando foi obrigado a abandonar os estudos de enologia para dar continuidade ao negócio na Rua Batalhoz. Conhecido pelo sentido de humor apurado e trato afável, Fernando Guedes tornou-se um dos comerciantes mais conhecidos e populares do Cartaxo. “O meu pai, além de ser um comerciante à antiga, de bata e gravata, tratava os clientes com muita educação. Era uma pessoa que gostava de conviver e tinha sempre uma piada para contar. Por exemplo, quando algum cliente perguntava se havia remédio para ratos, o meu pai perguntava em tom de brincadeira: ‘Remédio para ratos? Mas os animais estão doentes? Para isso tem que ir à farmácia. Eu aqui tenho é veneno’”, conta Frederico, um dos filhos de Fernando Guedes que, juntamente com a irmã Margarida, está atualmente à frente dos destinos da Drogaria Howell Guedes. Licenciado em Química, Frederico Guedes era diretor comercial de uma multinacional quando o pai adoeceu, o que levou a que abandonasse essas funções para não deixar cair o negócio de família. “Outros valores se levantaram”, diz Frederico, que representa a quarta geração da família Howell Guedes a administrar a loja. Habituado desde criança a frequentar a drogaria, que fica por baixo da casa onde nasceu e cresceu, Frederico gostava, particularmente, de ajudar o pai no laboratório. A análise e tratamento de vinhos e de azeites, uma das especialidades da casa, e a criação de produtos químicos sempre o fascinaram. A química já estava presente na vida de Frederico muito antes de saber que viria a licenciar-se e a trabalhar nessa área. Atualmente, o laboratório da Drogaria Howell Guedes é utilizado por Frederico para tratamentos de vinhos, na altura das vindimas, e para sintetizar o Milagroso e o Luminoso. Os conhecimentos de química de Frederico são uma mais-valia para o estabelecimento, não só nos esclarecimentos que presta aos clientes sobre os produtos químicos vendidos na drogaria, mas também na criação de produtos como o Luminoso, ao qual deu um toque pessoal.

“De A a Z, temos tudo! Desde álcool isopropílico até xilofene, para proteger a madeira do caruncho, está tudo organizado por ordem alfabética”, explica Frederico, lembrando que “continuamos a apostar nas marcas portuguesas”. Nos expositores antigos, sobressaem marcas que sobreviveram à passagem do tempo e que fazem parte do imaginário de muitos portugueses. Pastas medicinais Couto, cremes Benamôr, sabonetes Ach Brito, restauradores Olex... a lista de produtos nacionais é extensa.

Além dos artigos, a Drogaria Howell também se distingue pelo seu atendimento. “Estamos cá para explicar para que serve o produto e como é aplicado. A nossa vantagem em relação às grandes superfícies é que aqui há um atendimento personalizado”, afirma Frederico, enquanto mostra o prémio Cartaxo D’Ouro Economia 2019, atribuído através de votação do público. “Apesar de não ter valor material, foi dado pelas pessoas, escolheram a nossa casa, tem outro significado”, diz, grato pelo reconhecimento popular. Frederico orgulha-se de representar o comércio tradicional do Cartaxo e não esquece outras casas históricas da terra, como a Ourivesaria Conceição, a Casa Brincheiro ou a loja de ferragens Rui da Custódia. “São estas casas que dão vida às terras e mexem com a economia local”, declara, alertando para a necessidade de mudar as mentalidades. “Chegam aqui pessoas a dizer que já foram a todos os lados procurar um produto e só encontraram aqui. São frases que magoam. Porque motivo ficamos para último? Será que estamos a mais? Vale a pena continuar a lutar? Enquanto a mentalidade não mudar, enquanto acharmos que os produtos de fora é que são bons, enquanto não houver um pouco de bairrismo para salvar o comércio local, as coisas vão continuar difíceis”, diz Frederico, antes de atender mais um cliente.

Apesar das adversidades, o proprietário da Drogaria Howell Guedes diz-se “otimista por natureza”. “Se não fosse otimista, não estava aqui a defender uma casa centenária. Queremos que a nossa casa se mantenha, pelo menos, por mais 100 anos”, remata com um sorriso. A passagem de testemunho para a quinta geração da família Howell Guedes já está pensada. “Temos outra casa comercial que está a ser gerida pelo meu sobrinho João. No futuro, esperamos que seja ele a dar continuidade ao negócio da drogaria”, diz o proprietário da loja mais antiga do Cartaxo. O otimismo de Frederico é, sem dúvida, inspirador. A sua confiança e preserverança são a melhor garantia de que o comércio tradicional continuará a existir no Cartaxo.

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