João Viveiros

No centro da vila de Capelas, uma freguesia do concelho de Ponta Delgada, encontra-se a mais antiga moagem em funcionamento na ilha de São Miguel. Com aproximadamente um século de existência, esta moagem foi comprada, há 78 anos, por João de Oliveira, pai do atual proprietário, João Viveiros. Mais conhecido por João da Moagem, por motivos óbvios, João Viveiros começou a trabalhar com o pai aos 11 anos. Antes disso, já “gostava de mexer na farinha e nestas coisas todas”, diz, enquanto aponta para a sua fábrica de conversão de cereais em farinha.

João Viveiros trabalhou praticamente toda a sua vida nesta moagem, com exceção de uma breve passagem pela mercearia e taberna da família em Santo António. “Tinha uns 15 ou 16 anos quando fui trabalhar para a mercearia, mas não gostei daquilo e voltei para aqui”, diz João que, uns anos mais tarde, com o adoecimento do pai, assumiu as rédeas da moagem. “Cheguei a ter três empregados a trabalhar comigo. Tinha duas carroças, andava pelas portas a recolher o milho para ser moído e depois a distribuir a farinha para as pessoas cozerem o pão em casa”, recorda o moleiro. Ainda se lembra da época em que abria a moagem de manhã cedo e só fechava depois do sol se pôr, chegando por vezes a sair perto da meia-noite. Nesses tempos, existiam várias moagens nesta zona da ilha de São Miguel, sendo que, só em Capelas, havia três fábricas de transformação de cereais. “Antigamente, esta era uma zona com muito milho e trigo. Comprava a pequenos produtores de Capelas, Santo António, Santa Bárbara, Fenais da Luz e São Vicente Ferreira. Depois, deixou-se de cultivar cereais e foi tudo para as vacas”, conta João da Moagem, referindo-se à produção de leite de vaca e de carne de bovino, as principais atividades agrícolas dos Açores. Segundo João Viveiros, o princípio do fim das moagens, em São Miguel, começou há cerca de 20 anos, altura em que o povo micaelense, praticamente, deixou de cultivar milho e trigo para transformar em pão. Uma a uma, as moagens foram fechando portas, ficando apenas uma em funcionamento – a moagem de João Viveiros.

Nos dias que correm, as mós continuam a girar e a transformar os grãos em farinha graças à ajuda de um dos três filhos de João da Moagem, cuja saúde já não lhe permite trabalhar como gostaria. Apesar de só estar fechada ao domingo, a moagem apenas funciona duas a três horas por semana. A lista de clientes resume-se a um padeiro de Capelas e a “alguém que apareça, de vez em quando, para comprar farinha para um bolo ou milho para as galinhas”, diz João, enquanto mostra uma mão cheia de carolo, a farinha de milho grosseira usada como alimento para as galinhas. Apesar da moagem estar pouco tempo em funcionamento, João Viveiros mantém-se no seu posto de trabalho de segunda-feira a sábado, sendo que “domingo é o pior dia”, já que “não gosto de estar em casa sem fazer nada”. Além dos clientes esporádicos, João vai recebendo a visita de alguns amigos para dois dedos de conversa ou de algum turista mais curioso. Embora o filho Domingos saiba “fazer tudo na moagem”, o moleiro sabe que nenhum dos seus três filhos vai trocar o seu emprego por um que “não tem futuro para ninguém”. “Quando eu não puder mais, fica a porta fechada”, conclui, sem reservas. No dia em que isso acontecer, não será apenas a última moagem de São Miguel que fechará portas, mas também um verdadeiro serviço público que deixará de existir.

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