Eugénio Lázaro

Nascido em Porto Formoso, na costa norte da ilha de São Miguel, Eugénio Lázaro é um dos últimos pescadores profissionais desta freguesia do concelho de Ribeira Grande. Na infância, ainda antes de começar a trabalhar com o pai, aos 11 anos, Eugénio já apanhava polvos com os amigos na baía de Porto Formoso. “Com 5, 6 anos vínhamos para aqui na maré vazia, amarrávamos um bocado de peixe na ponta de uma cana e íamos aos buracos apanhar polvos”, recorda, antes de explicar como aprendeu a nadar com a mesma idade. “Um empurra um, outro empurra outro, era assim que se aprendia a nadar naquele tempo”, diz Eugénio que, além de pescador, pratica mergulho como atividade recreativa. Além de pescar com o pai no seu pequeno barco, ajudava-o a trabalhar as terras da família e ainda arranjava tempo para uns biscates, como a apanha de algas marinhas, que posteriormente vendia “para ganhar uns trocos e ajudar a sustentar a casa”. Resumidamente, foi assim que Eugénio Lázaro passou os primeiros 20 anos da sua vida, antes de cumprir o serviço militar obrigatório na ilha Terceira, tendo permanecido cerca de um ano e meio nesta ilha do arquipélago dos Açores.

Durante este período, que se revelou muito importante no seu percurso profissional, Eugénio aproveitava as horas vagas para fazer mergulho junto à Fortaleza de São João Baptista, onde assentou praça a 16 de janeiro de 1984. Fazendo uso dos conhecimentos adquiridos durante a infância e adolescência, apanhava cavacos, santolas e, especialmente, polvos para vender a restaurantes e particulares. “Fui para lá com as mãos na algibeiras e regressei com 850 contos”, diz Eugénio Lázaro, acrescentando que esse dinheiro foi aplicado na compra do seu primeiro barco, que batizou de Nossa Senhora do Pranto. Por essa altura, com 22 anos, também tirou a carta de mestre de arrasto de pesca local e estabeleceu-se por conta própria como pescador.

Eugénio considera que a melhor fase da sua carreira profissional foi “entre os 23 e os 38 anos”, altura em que “havia muita lagosta e bons trabalhadores”, diz, lembrando que chegava a apanhar mais de 100 kg de lagosta por dia. Enquanto pescador profissional, continuou a apanhar polvos, tendo passado a usar um tipo de armadilha que, até então, não se via na ilha de São Miguel. “Vi os covos em Cascais e tirei-lhes as medidas. Quando cá cheguei, fiz vinte. Vinham sempre cheios”, recorda Eugénio, que chegou a ter várias centenas de armadilhas na água.

A vida de pescador de Eugénio Lázaro, porém, nem sempre foi um mar de rosas. “Já apanhei alguns sustos grandes no mar. O maior foi no dia 25 de março de 2007. Estávamos no Nordeste com as armadilhas na água quando a âncora, que chamamos de pouta, rebentou. As baterias avariaram e não havia mais poutas dentro do barco. Amarrei um bocadinho de ferro com 4 cordas e lancei ao mar. Calhou atirar num sítio bom e salvou-nos a vida a todos. Se aquelas cordas rebentam, tínhamos três ou quatro minutos de vida”, conta Eugénio, que estava no barco com mais seis homens, alguns dos quais “não tiveram bem a noção do perigo por que passámos”. Eugénio explica: “Se as cordas rebentam e o barco vai pelo mar fora, não havia problema. O problema é que naquele dia o vento virou mais cedo e o barco ia dar à costa”. Este incidente, que aconteceu por volta das duas da manhã e envolveu um helicóptero vindo da ilha Terceira e um barco de resgate, acabou em bem, mas permanece na memória do pescador como o “maior de todos os sustos” que o mar lhe pregou.

Nos dias que correm, o Mestre Eugénio Lázaro dedica-se exclusivamente a duas artes de pesca: a pesca da lagosta e o palangre de fundo. A pesca da lagosta é feita entre os meses de abril e setembro, sendo aquela que mais prazer dá a Eugénio. “É a arte que gosto mais, seja aparelhar as armadilhas ou ir às lagostas. Quando chega o mês de Abril, vou sempre ao marisco. Desde pequenino que estou acostumado a isso”, diz, enquanto monta uma armadilha denominada de “teia de covos”. A pesca com arte de palangre (pesca de fundo) é feita entre o início de outubro e o fim de março. Utilizando um aparelho de pesca, constituído por uma corda forte e comprida a que estão presas várias linhas secundárias mais curtas, cada uma com um anzol na extremidade, Eugénio Lázaro, e a sua tripulação de cinco homens, pescam inúmeras espécies das profundezas dos mares. Cherne, goraz, abrótea, boca negra, alfonsim ou rocaz, são apenas algumas das espécies de peixe pescadas pela tripulação do Bom Barqueiro, o atual barco do Mestre Eugénio.

Com uma vida inteira ligada ao mar, Eugénio teme pelo futuro da pesca na ilha de São Miguel. “Se o Governo Regional dos Açores não puser mão pesada nisto, daqui a uns anos não temos nada aqui na ilha”, afirma, acrescentando que deviam ser alteradas algumas normas para quem anda no mar. Exemplo disso são as malhas das armadilhas, as quais, na opinião do pescador, são demasiado apertadas. “A malha da lei é de 60 milímetros, eu estou a usar malha de 120 milímetros, que é o dobro, e às vezes vêm algumas lagostas mais pequenas que não se podem apanhar. Já disse na Secretaria das Pescas que esta malha está mal. Há barcos a apanhar lagostas pequenas e que vendem na mesma”, diz, frisando que é necessário, entre outras coisas, uma maior fiscalização por parte das autoridades competentes. Outro mal que assola o setor das pescas na ilha de São Miguel, à exceção da freguesia de Rabo de Peixe, é a falta de mão-de-obra qualificada. No porto de pesca de Porto Formoso, chegaram a trabalhar cerca de meia centena de pescadores. Atualmente, contam-se pelos dedos das mãos os pescadores profissionais em atividade. “Não há pessoas para trabalhar. Esta juventude já não quer ir para o mar e eu acho muito bem. Da maneira que o mar está, não vale a pena”, afirma sem contemplações.

Quando não está no mar, Eugénio Lázaro passa a maior parte do seu tempo na pequena casa que construiu em plena baía de Porto Formoso. Com a ajuda da esposa, cultiva um pouco de tudo no terreno à volta da casa, desde inhame, açafrão e abóbora até batata, tomate e amendoim. No verão, quando o mar permite, gosta de fazer mergulho para apanhar lapas e cracas, sendo estas últimas, na opinião de Eugénio, “o melhor marisco do mar”. O pescador também é um dos responsáveis por um evento gastronómico que já se tornou uma referência no concelho de Ribeira Grande, a Caldeirada do Porto Formoso. Este evento, que já vai na sua 3ª edição, pretende valorizar o pescado açoriano e apoiar os pescadores locais. Prestes a completar 60 anos, Eugénio Lázaro vai continuar na faina enquanto tiver trabalhadores que o acompanhem. Quando não tiver, terá ainda mais tempo para fazer algo que adora: receber os seus dois netos na casa que construiu – “casinha do mar” – como lhe chama a neta de 5 anos.

Anterior
Anterior

João Viveiros

Próximo
Próximo

Vítor Pereira