Manuel Véstias

Apelidada de “cidade branca” do Alentejo, por um lado devido ao branco do casario que se estende colina acima, por outro pelas suas jazidas de mármore branco, Estremoz é uma cidade alentejana, fortemente marcada pela sua ancestral ligação ao mármore. O “ouro branco” do Alentejo, como é conhecido o mármore alentejano, faz de Portugal o segundo maior exportador do mundo, sendo que Estremoz contribui em cerca de 90% para o total de mármore exportado. O Mármore de Estremoz é um tipo de mármore extraído desta região alentejana e aplicado em numerosos edifícios e monumentos, como são exemplo o Templo Romano de Évora, popularmente conhecido como Templo de Diana, a fachada do Paço Ducal de Vila Viçosa ou a Torre de Menagem do Castelo de Estremoz. Esta matéria-prima, utilizada desde a época do Império Romano, está presente por toda a cidade de Estremoz, servindo de base para a construção e decoração de inúmeros monumentos e espaços públicos. As pedreiras, onde é efetuada a extração do mármore, marcam a paisagem da região e foram, durante muitos anos, a principal fonte de rendimento do concelho de Estremoz. Junto a uma dessas pedreiras, fica a oficina de cantaria artística de Manuel Véstias, o único canteiro em atividade na “cidade branca”.

Enquanto único representante da arte de talhar a pedra em Estremoz, Manuel Véstias trabalha o mármore, como não poderia deixar de ser, mantendo vivo um ofício com forte tradição na cidade. Nascido em 1950, Manuel Véstias tomou o gosto pela arte aos 13 anos, quando iniciou o curso de canteiro na Escola Industrial e Comercial de Estremoz. Terminado o curso, empregou-se numa cantaria, onde trabalhou o mármore até ser chamado para cumprir o serviço militar. “Quando regressei da tropa, estabeleci-me por minha conta nesta casa, estou aqui desde 1975”, diz o canteiro, enquanto dá os retoques finais numa escultura de Nossa Senhora de Fátima.

Na oficina de Manuel Véstias, junto ao cemitério de Estremoz, fabrica-se sobretudo estátuas de figuras religiosas para “igrejas, cemitérios ou para pessoas que gostam de ter em casa a imagem da sua devoção”, conclui o artesão. Além da Nossa Senhora de Fátima, a mais vendida de todas as peças, Manuel Véstias esculpe São João de Deus, São Joaquim, Nossa Senhora da Conceição, Rainha Santa Isabel e tantas outras imagens religiosas. “Com a experiência que tenho, estou habilitado a fazer qualquer tipo de trabalho em mármore”, diz, destacando, como dois dos seus maiores trabalhos artísticos, o restauro das estátuas da Fonte de São Lourenço, em Elvas, e uma escultura de Neptuno, que se encontra numa quinta perto de Madrid. Há também os objetos mais pequenos – como cinzeiros, corações e pirâmides – que servem muitas vezes de lembrança para os turistas que visitam a oficina. Ao longo da carreira, chegou a expor os seus trabalhos na FIL, na Estufa Fria e na Casa do Alentejo, em Lisboa, e em Vilamoura, por intermédio da Câmara Municipal de Estremoz. “Tudo isto foi há muitos anos”, diz Manuel Véstias, que participou diversas vezes na Feira de Artesanato de Estremoz, onde deixou de expor há meia-dúzia de anos. “Isto são coisas muito pesadas para transportar. Não se pode mandar num carro de qualquer maneira, eu é que tenho de lidar com as peças. Além disso, a idade começa a pesar um bocadinho”, explica, acrescentando que não pensa voltar a expor as suas esculturas fora da oficina onde trabalha há 47 anos.

No espaço que a sua esposa, Vika Matos, batizou poeticamente de “Silêncios que Falam”, Manuel Véstias transforma blocos de mármore em verdadeiras obras de arte. Munido de ferramentas essenciais à sua profissão, como a maceta e o badame, o artesão talha o mármore extraído das entranhas da terra, a pouca distância da oficina. O tempo que dedica a cada peça varia consoante o tipo de linhas, ou seja, enquanto uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, com as suas linhas direitas, demora cerca de 15 dias a fazer, uma imagem da Rainha Santa Isabel, com linhas curvas, pode levar mais de um mês a concluir. Manuel Véstias não tem preferência por nenhuma imagem, mas ainda recorda os tempos em que escolhia os serviços. “Hoje é ao contrário, tenho de fazer aquilo que aparecer”, diz, antes de acrescentar: “O negócio já teve melhores dias!”.

A queda nas vendas agravou-se com a pandemia e, atualmente, “o negócio está muito parado”, diz o canteiro, que apenas se mantém em atividade por amor à arte que aprendeu há quase 50 anos. “O mestre que estudou num livro de pedra”, como o intitulou a sua esposa, só lamenta que a arte da cantaria esteja em vias de extinção e votada ao esquecimento. Apesar da falta de interesse dos jovens em aprender o ofício, Manuel Véstias atribui a culpa aos mais velhos. “Acabaram com os cursos industriais nas escolas, foi um erro de todo o tamanho”, declara, concluindo: “Foi assim que muitos mestres se formaram”. Aos 73 anos, não sabe até quando irá manter a oficina aberta, a única certeza é que, enquanto não fechar, será possível assistir ao processo de transformar em arte o mármore de Estremoz.

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