Vítor Gil Salgueiro

Vítor Gil Salgueiro nasceu, há 73 anos, em Casal Galego, uma povoação do concelho da Marinha Grande. Um de cinco irmãos, Vítor teve uma infância tranquila até aos 11 anos, altura em que o pai faleceu, vítima de um acidente de viação. A mãe, que até então se dedicava apenas ao lar e aos filhos, viu-se obrigada a trabalhar como empalhadeira de garrafões para sustentar os cinco filhos menores. “Passámos muitas dificuldades, mas a minha mãe foi uma guerreira”, recorda Vítor que, nessa altura, foi admitido na Escola Industrial e Comercial da Marinha Grande, tendo passado a estudar à noite e a trabalhar de dia.

O primeiro trabalho foi na Fábrica-Escola Irmãos Stephens. “Passava seis horas e meia a correr de um lado para o outro”, diz, referindo-se ao trabalho de transportar cálices, depois de terminada a sua elaboração, para a arca de recozimento. Na escola, concluiu o Curso Comercial, tendo sido o melhor aluno na disciplina de caligrafia, uma arte que domina “como poucos, não é dito por mim, é dito por muita gente”. A arte de escrever bem à mão viria a revelar-se extremamente importante no seu percurso como artesão do vidro, já que o distingue dos demais artesãos. Quando saiu da Fábrica-Escola Irmãos Stephens, Vítor foi para a Normax, uma empresa “muito conhecida” que se dedica à produção de artigos de vidro científico. Ainda menor de idade, começou por trabalhar como paquete e, mais tarde, passou para a fabricação do vidro. O percurso profissional foi interrompido pelo serviço militar obrigatório, tendo sido mobilizado para Angola, onde esteve “a 2000 km de Luanda”.

Quando regressou à Normax, “o patrão meteu-me a trabalhar com o maçarico e verificou que tinha jeito”, o que se viria a confirmar com o decorrer da sua carreira. “Fazia lá um pouco de tudo, corri as máquinas todas, as máquinas de fazer tubos de ensaio, seringas, pipetas de Pasteur…”, lembra Vítor, que acabou por abandonar a empresa ao fim de algum tempo, devido a motivos pessoais. A partir daí, dedicou-se exclusivamente ao artesanato. “Vendi muito para clientes de Fátima, Nazaré, Mira… Mas era sempre a mesma coisa”, diz, referindo-se às peças com mais saída, como os cálices de engano ou os copos com inscrições dos três principais clubes de futebol portugueses. Era o tempo das vacas gordas, em que “o negócio dava para todos”, que antecederam a crise financeira de 2008. À medida que os artigos vendidos nas lojas de artesanato de Fátima ou Nazaré, feitos por artesãos portugueses, foram sendo substituídos por artigos fabricados na China, o negócio de Vítor foi perdendo fulgor até aos dias de hoje, em que “não se vende nada”.

Pese embora a falta de clientes, Vítor Gil Salgueiro continua a trabalhar diariamente na sua oficina, na Marinha Grande. Rodeado de peças de vidro, que foi criando ao longo dos anos, Vítor usa o maçarico para amolecer e modelar o vidro, dando origem a objetos únicos. “Hoje em dia, tenho mais tempo para desenvolver coisas novas”, diz, antes de soprar o vidro para dar forma à peça. Os corações e as árvores são elementos muito presentes nos seus trabalhos, não fosse ele uma “pessoa emotiva e romântica”, e representam, no fundo, o amor de Vítor pela sua família e, especialmente, pela sua esposa Gracinda. Casado há 54 anos com “uma grande mulher”, Vítor não se cansa de elogiar a esposa, que esteve sempre ao seu lado, nos bons e nos maus momentos. Além da família, a sua grande paixão é a arte de transformar o vidro, a qual está disponível para ensinar. “Se alguém quiser aprender a trabalhar no maçarico, eu ensino. Só tem de comprar uma botija de oxigénio e uma botija de gás, e pagar o vidro, e eu não levo nada”, diz, mostrando-se disposto a transmitir o seu saber sem esperar nada em troca. Com uma vida inteira ligada ao vidro, Vítor Gil Salgueiro representa, acima de tudo, o orgulho marinhense nas suas raízes vidreiras, ou não fosse esta a capital portuguesa do vidro.

Anterior
Anterior

José Manuel Lourenço

Próximo
Próximo

Maria Irene