Rodrigo Sim Sim
Alcáçovas é uma vila do concelho de Viana do Alentejo que tem o seu nome gravado na história de Portugal, por aqui ter sido assinado o Tratado de Alcáçovas, em 1479, precursor do Tratado de Tordesilhas. Esta vila alentejana é também conhecida pela sua forte ligação à produção artesanal de instrumentos para assinalar a presença de gado bovino, ovino e caprino. Os chocalhos são o ex-líbris, tendo o seu fabrico sido classificado pela UNESCO, em 2015, como Património Cultural Imaterial com Necessidade de Salvaguarda Urgente. Além dos chocalhos, há também os esquilões, os guizos e as campainhas. De fabrico artesanal e técnica complexa, estes objetos são, tradicionalmente, utilizados por pastores para localizar e orientar os seus rebanhos, criando uma sonoridade inconfundível nas zonas onde se pratica o pastoreio. Ao longo dos tempos, o conhecimento técnico foi transmitido de pais para filhos, sendo que algumas famílias ainda guardam o segredo do fabrico artesanal destas peças. Em Alcáçovas, a família Sim Sim é um exemplo de dedicação a esta arte há muitos anos. O legado foi passando de geração em geração até aos dias de hoje, estando agora nas mãos de Rodrigo Sim Sim, herdeiro de uma arte em vias de extinção.
Nascido em Alcáçovas, há 55 anos, Rodrigo Sim Sim começou a trabalhar na oficina da família aos 7 anos, ajudando o pai, Francisco Sim Sim, e o padrinho, Franklim Sim Sim. “Quando saía da escola, vinha para aqui ajudá-los a trabalhar. Tinha de fazer o trabalho de aprendiz. Limar fivelas, fazer moldes, escolher metais, limpar a forja... Dependia das fundições que se faziam. Foi assim que aprendi as bases do ofício”, conta Rodrigo, que já não conheceu o avô, a pessoa que mudou o rumo das coisas. “Esta casa antes de ser uma fundição campanil, era uma fábrica de chocalhos. Mas depois, como havia muitos chocalheiros, o meu avô decidiu acabar com os chocalhos e passar a dedicar-se apenas à fundição de esquilões, guizos e fivelas”, diz, concluindo: “Isso foi há mais de 100 anos”. Rodrigo Sim Sim estudou em Viana do Alentejo até ao 9º ano e, mais tarde, tirou o curso de Técnico de Manutenção Mecânica na Escola Industrial e Comercial de Évora. Durante alguns anos, trabalhou na área da sua formação, sem nunca deixar de fazer uns trabalhos de fundição paralelamente, até que, em 2006, decidiu dedicar-se “a sério” à arte da família Sim Sim.
Quando, no início do século XX, o avô de Rodrigo Sim Sim pôs fim à produção de chocalhos e se especializou na fundição de bronze e latão, estava longe de imaginar que, mais de um século depois, a sua fundição campanil continuaria a funcionar. O termo “campanil”, além de designar um lugar alto para sinos, também denomina uma liga de metais para sinos, sinetas e outros instrumentos de sinalização sonora, como campainhas e guizos. Rodrigo Sim Sim é proprietário da única fundição campanil em Portugal, sendo ela situada na Travessa de São Teotónio, em Alcáçovas. Apesar de também fabricar sinos e sinetas, Rodrigo constrói, sobretudo, esquilões, guizos e campainhas, assim como fivelas e ponteiras. Todos estes objetos estão ligados à atividade pastorícia, sendo utilizados por diferentes espécies de animais, consoante o tamanho das peças. “O esquilão é utilizado nas vacas e nas ovelhas. A campainha é usada nas cabras, nas ovelhas e nos cães. O guizo era muito utilizado nos porcos, cães e perus, mas agora é mais usado nos cavalos de equitação”, diz Rodrigo, que conhece todos os segredos do processo de fundição destes instrumentos. Uma das particularidades destes utensílios é a sua sonoridade, que é apurada de acordo com o gosto de cada cliente. “O toque ‘toeiro’ é grosso, ao contrário do toque fino. No meio fica o toque ‘zangarro’”, explica, enumerando os diferentes tipos de toque do esquilão. A complexidade do processo de fundição abrange diferentes etapas, como o cálculo das ligas de metais. “Para uma pessoa saber fazer uma liga de um esquilão, ou mesmo de um guizo, são necessários vários anos de aprendizagem”, diz Rodrigo, explicando que os cálculos envolvem fórmulas matemáticas, químicas e físicas. “Isto é um laboratório à antiga”, afirma, enquanto cria o molde de um esquilão. Muitas das ferramentas que Rodrigo utiliza já existiam quando a fundição foi criada, como as bigornas, tesouras e alicates de chocalheiro que o bisavô utilizava.
Ao contrário dos instrumentos de sinalização sonora, que são, maioritariamente, em bronze, “do melhor que existe”, as fivelas são feitas em liga de latão, com um reforço de cobre e zinco para serem mais duráveis. Apesar de já ter feito fivelas de cintos, nomeadamente para as fardas da Guarda Nacional Republicana, Rodrigo Sim Sim constrói, acima de tudo, fivelas para colocar nas coleiras dos animais de pastoreio. Na parede da sua oficina, estão expostos inúmeros moldes de fivelas, alguns com mais de um século. “Fivela oval de bicos, fivela oval de recorte, fivela de coração, fivela quadrada de bicos, fivela de lira...”, enumera, antes de concluir: “Tenho mais de 500 moldes de fivelas”.
“Costumo dizer que sou um freelancer da fundição”, diz Rodrigo Sim Sim, cujos clientes são, essencialmente, criadores de gado, agricultores e pastores. Além do trabalho na oficina, procura regularmente novos clientes, especialmente além-fronteiras. “Em Portugal, as encomendas estão uma lástima. A entrada do olival intensivo, do amendoal intensivo e da vinha intensiva fez com que muitas pessoas se desfizessem dos animais. Se contasse só com os agricultores do Baixo Alentejo e Algarve, como era antigamente, já não estava aqui. O que vale é que tenho alguns clientes espanhóis”, conta, lembrando que, por vezes, faz trabalhos menos convencionais, como peças para a Sé Catedral de Évora. Rodrigo chegou a ter alguns dos seus trabalhos à venda nas lojas A Vida Portuguesa, como peças de artesanato, mas rapidamente percebeu que não era esse o caminho. “Não vendo peças para fins decorativos. Os meus guizos nº2 de quatro fendas estiveram à venda nas lojas, mas não tinham saída. As pessoas preferiam comprar guizos nas lojas dos chineses”, diz, sabendo que a sobrevivência da sua fundação campanil não depende da venda de artesanato, mas sim da existência de animais de pastoreio. “Este ofício só sobrevive com o comércio de animais, como as feiras de gado. Antigamente, quando os agricultores compravam vinte ovelhas, compravam também vinte esquilões e vinte fivelas. O que contribuía para o negócio era isto”, diz Rodrigo, salientando ainda a importância da transumância de gado para a vitalidade do seu negócio. Quer seja pela industrialização da produção ou pelas alterações verificadas no mundo agrícola, como o fim da transumância e a diminuição da atividade pastorícia, a verdade é que “não é fácil” manter uma fundição campanil em atividade. Além das dificuldades já referidas, Rodrigo ainda tem de lidar com a crescente inflação dos preços dos materiais. “Uma fundição de 50 peças envolve um custo de cerca de 260 euros. Antes da guerra na Ucrânia, era metade”, diz, rematando: “Sabe Deus e Cristo como consigo estar aqui a trabalhar”.
O mestre da única fundição campanil do país teme pelo desaparecimento de uma atividade que “faz parte da história cultural de uma nação, de um povo e de uma família”. Apesar do filho já dar uma ajuda na oficina, Rodrigo não quer que este carregue nos ombros o peso do legado da família Sim Sim. “Se ele um dia quiser vir para aqui ajudar-me e eu tiver saúde para lhe ensinar, será bem-vindo”, declara, referindo que também tem uma filha, mas que esta tem outros planos a nível profissional.
Por enquanto, Rodrigo Sim Sim vai continuar a fundir metais, transformando-os em peças únicas, que ostentam orgulhosamente a marca da casa, três estrelas, e o nome “Alcáçovas”, em homenagem à sua terra natal.