Clara Sevivas

O fado é um estilo musical português que surgiu na primeira metade do século XIX, em Lisboa, tendo sido declarado Património Cultural e Imaterial da Humanidade pela UNESCO, em 2011. Começou por ser cantado nas tabernas e nas ruas dos bairros populares, como Alfama e Mouraria, mas depressa se instalou entre as classes mais altas, nunca perdendo a sua raiz popular. Mesmo já tendo sido cantado nas melhores salas de espetáculos do mundo, por intérpretes como Amália Rodrigues ou Mariza, a sua verdadeira autenticidade só é possível descobrir nas casas de fado. Todos os grandes fadistas passaram por estas casas que contam uma grande parte da história do estilo musical mais emblemático do nosso país. Em Alfama, um dos bairros mais típicos de Lisboa, o fado ecoa pelas ruas graças às muitas casas de fado aqui localizadas. Entre estas está A Baiuca, uma taberna que se transformou numa casa de fados sem perder a identidade.

Com mais de um século de existência, A Baiuca foi, durante muitos anos, uma taberna semelhante a muitas das que proliferavam nos bairros históricos de Lisboa. Apesar de ter passado por diferentes proprietários e remodelações, A Baiuca manteve os seus traços originais até aos dias de hoje. Elementos como as portadas de madeira, o balcão de mármore ou os azulejos na parede revelam um pouco da história deste estabelecimento centenário. Contudo, o que verdadeiramente distingue este espaço dos demais é a sua atmosfera acolhedora e o seu jeito descontraído de mostrar o fado, num sítio em que se misturam fadistas, amantes de fado e pessoas de todo o mundo, incluindo, obviamente, muitos portugueses. Num ambiente informal, típico das tabernas lisboetas dos finais do século XIX, o fado acontece de forma livre e espontânea. Chamam-lhe fado vadio, um termo usado para descrever um fado cantado mais para exprimir emoções do que para fins comerciais, e pode ser cantado por qualquer pessoa, independentemente da idade ou profissão. A Baiuca é famosa pelas suas noites de fado. Atualmente, esta taberna de Alfama é propriedade de Clara Sevivas e João Alonso. Ela é uma das pessoas que faz este lugar.

Clara Sevivas nasceu em Coimbra, mas foi em Castro Daire que passou a sua infância e adolescência. Desde muito nova ligada à música e à representação, Clara começou a cantar fado com apenas 7 anos, atuando em pequenos concertos e festas da escola. Quando terminou o ensino secundário, mudou-se para Lisboa com o objetivo de tirar o curso de Psicologia no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA). “O meu plano quando vim estudar para Lisboa era entrar para a Policia Judiciária”, diz Clara, que começou a cantar em algumas casas de fado da capital enquanto estudava Psicologia. Foi na Tasca do Chico, uma das casas de fado mais conhecidas de Lisboa, que conheceu aquele que considera o seu padrinho de fado, o fadista João Carlos. Apesar de ter concluído um Mestrado em Psicologia Clínica, a paixão pelo fado acabou por falar mais alto. Clara Sevivas colocou de parte uma possível carreira na Polícia Judiciária para se dedicar por inteiro ao fado.

Uns anos depois de lançar o seu primeiro e único álbum, Doce Loucura, que conta com onze temas de fado, a fadista tornou-se proprietária da casa de fados Coração de Alfama, juntamente com João Alonso e Rosário Gomes. Posteriormente, em 2020, surgiu a oportunidade de adquirirem uma outra casa de fados, A Baiuca. “Apaixonei-me por esta casa”, diz Clara Sevivas, com um sorriso nos lábios.

Enquanto proprietária de duas casas de fado em Alfama, Clara faz um pouco de tudo, desde a gestão das encomendas até servir às mesas. Como não poderia deixar de ser, também canta fado em ambas as casas, as quais apresentam características distintas. “O Coração de Alfama é uma casa mais formal, onde canto de xaile. A Baiuca tem um ambiente mais descontraído”, explica, acrescentando que “é um desafio diário gerir duas casas de fado”. Quando questionada sobre a sua preferência, Clara Sevivas é perentória: “É impossível escolher entre as duas, é como escolher entre dois filhos”. Não obstante, a fadista e empresária sabe o quão especial é A Baiuca. “É como se esta casa tivesse vida, transmite coisas. Sinto que é quase como receber pessoas numa sala de estar”, diz, frisando que “é importante fazer as coisas com verdade”. Para isso, Clara está rodeada de pessoas dedicadas e talentosas, como é o caso dos guitarristas Ricardo Rocha, Ângelo Freire ou Bernardo Romão, músicos de referência no panorama nacional da guitarra portuguesa, e da fadista Fernanda Proença, “Pimpi” para os amigos, ou José Geadas, fadista da nova geração. Além dos músicos, Clara Sevivas faz questão de enaltecer a importância de todas as pessoas que ajudam a tornar A Baiuca “naquilo que ela é”, sejam os empregados de mesa ou os cozinheiros. Na opinião de Clara, “tudo conta para criar o ambiente para a noite de fados”, lembrando que “este lugar, por si só, já ajuda imenso a fazer a noite”.

Não escondendo o orgulho nas suas casas de fado, as quais requerem muito do seu tempo e energia, Clara Sevivas apenas lamenta o facto de ainda não ter tido disponibilidade para gravar o seu segundo álbum. “Sei que depende de mim arranjar esse tempo. Já tenho alguns temas originais compostos, mas preciso de um tempo de reflexão para gravar um disco. É uma prioridade para mim”, diz a fadista, enquanto se prepara para mais uma noite de fados na Taberna A Baiuca, a casa de fados mais castiça de Alfama.

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