Bruno Melo

“Torriense de gema”, como se caracteriza, Bruno Melo nasceu em 1968, no seio de uma família com fortes ligações a Torres Vedras. O avô, Luís Brandão de Melo, foi um ilustre cidadão torriense, apesar de apenas ter vivido cerca de 20 anos na cidade. De origens nobres, Luís Brandão de Melo viveu entre Soure, a vila onde nasceu, e Coimbra até aos 50 anos, altura em que se mudou para Torres Vedras. Conhecido pela sua veia empreendedora, envolveu-se ativamente na vida cultural, desportiva e associativa  da cidade, tendo chegado a ser presidente da Associação de Educação Física e Desportiva de Torres Vedras, presidente do Sport Clube União Torreense e presidente da Comissão de Carnaval.  Após a sua morte, aos 69 anos, a Câmara Municipal de Torres Vedras homenageou-o, atribuindo o seu nome a uma rua no centro da cidade. Bruno Melo não chegou a conhecer o avô, que faleceu em 1962, mas herdou a mesma visão empreendedora e espírito arrojado. 

Embora sem ligações familiares às artes, Bruno começou, desde cedo, a interessar-se por trabalhos manuais. “Desorientava a casa toda quando era miúdo. Não me limitava a pintar papéis, pintava tudo o que aparecia. Quando me ofereciam um carrinho, a primeira coisa que fazia era desmontar tudo para perceber como é que funcionava”, diz, prosseguindo: “No 5º ano, a professora de Artes Plásticas pediu aos alunos que fizessem uma cadeira em miniatura. Eu decidi fazer uma cadeira à escala real e levei-a para a escola. A professora deu-me zero porque, segundo ela, os meus pais tinham mandado fazer a cadeira num carpinteiro. A minha mãe ficou indignada, porque me viu a fazer a cadeira, e foi à escola falar com a professora”. A par e passo com o interesse pelas artes, Bruno descobriu a sua vocação para o desporto, sendo que o skate foi a sua primeira paixão. “A minha mãe não me quis oferecer um skate porque achava que era perigoso e, por isso, ofereceu-me uns patins. A primeira coisa que fiz foi desmanchar os patins e colocar uma tábua de madeira sobre as rodas para ter o meu skate. Pouco tempo depois, o meu pai decidiu comprar-me um skate, visto que estava sujeito a matar-me no skate com rodas de patins. Mas esse skate continuava a ser pequeno e estreito. O pai de um amigo meu era comissário de bordo da TAP e trazia revistas de skate do estrangeiro. Eu via os skates nas revistas e dizia a mim mesmo que tinha de fazer um skate assim. Então dei-me ao trabalho de esculpir um eixo em madeira, mandei fundir numa fundição, coloquei parafusos e borrachas, e fiz o meu skate”, conta Bruno. Num tempo em que a Internet era ainda uma miragem, procurava respostas para as suas dúvidas em lojas de ferragens, que visitava regularmente para perceber o funcionamento das diferentes ferramentas. No 9º ano, ainda longe de imaginar o rumo que a sua vida iria tomar, optou por seguir Eletrotecnia. “Entre as opções, era a que mais se aproximava dos meus interesses. Não achava piada a Eletrotecnia, o que achava piada era o facto de ter acesso às ferramentas. No final do ano, o professor disse-me que era uma miséria em Eletrotecnia, mas que tinha um jeito de mãos do caraças”, lembra Bruno, que mudou para Arte & Design no ano seguinte. “Foi aí que percebi que tinha algumas boas ideias. Quando havia desafios, como criar um logótipo, tinha sempre notas máximas. Não sou grande desenhador, mas a ideia estava lá. A imaginação sempre foi o meu forte”, revela, admitindo que, em contraponto, a matemática era uma fonte de problemas.

Depois do skate e do skimboard, Bruno apaixonou-se pelo surf. Na década de 1980, este desporto ainda dava os primeiros passos em Portugal, sendo praticamente desconhecido para os lados de Santa Cruz. O pai de Bruno, João Melo, foi um dos primeiros a aventurar-se com uma prancha de surf nas águas de Santa Cruz. Foi com essa prancha que, aos 12 anos, Bruno começou a surfar. “Na altura, não havia chop [corda utilizada para prender a prancha ao pé do surfista], fazia com um elástico de borracha, que retirei de uma câmara de ar de um pneu de bicicleta. Amarrava o elástico ao joelho e, depois de cada sessão de surf, ficava com a perna toda roxa do joelho para baixo”, conta, sorrindo. Três anos depois, decidiu construir a sua própria prancha de surf. “A prancha do meu pai era antiga, já não virava como eu queria. Ia para uma loja de carroçarias em Torres Vedras, a Carroçarias Maia, chagar o pessoal que trabalhava com fibra de vidro. Além disso, comprei um livro em Lisboa que se chamava ABC da Fibra de Vidro, onde aprendi algumas coisas”, recorda com nostalgia. “Tinha 15 anos quando fiz a minha primeira prancha. A coisa correu tão bem que comecei a receber pedidos de amigos para lhes construir pranchas”, conta Bruno que, por essa altura, já fazia e vendia skates há algum tempo. Com o negócio da venda de pranchas de surf a melhorar, e as notas de matemática a piorar, Bruno optou por abandonar os estudos, no 11º ano de escolaridade. “Dediquei-me às pranchas, de alguma maneira também era um trabalho artístico. A minha primeira oficina era um pequeno armazém na Póvoa de Penafirme, ia buscar baldes de água ao vizinho, porque não tinha água canalizada. Comprava 5 litros de resina, fazia uma prancha e vendia. A seguir já podia comprar 10 litros. Fazia as pranchas de A a Z, desde o shape da prancha, passando pela laminagem e fibragem, até aos desenhos e pintura. Aprendi muito a pintar à pistola nesses anos. Na época, as pranchas tinham aquelas cores fluorescentes, com degradês, e isso tecnicamente puxou muito por mim”, lembra, acrescentando: “Como o armazém ficava numa aldeia, vinham-me pedir para fazer reparações nas carenagens de fibra dos tratores. Aí, tomei conhecimento de uma outra forma de trabalhar a fibra de vidro. Também passei a fazer pinturas de automóveis, comecei a evoluir em várias direções”. Por esta altura, Bruno criou a sua marca de pranchas de surf, a Beribiraut, cujo logótipo era um gafanhoto a surfar. Algum tempo depois, José Pedro Sobreiro, o artista plástico que realizou os projetos dos carros alegóricos do Carnaval de Torres Vedras entre 1981 e 1993, ouviu falar num jovem torriense que sabia trabalhar com fibra de vidro e decidiu convidá-lo para reforçar a sua equipa de trabalho. Assim, aos 19 anos, Bruno concretizou um dos seus sonhos de infância: trabalhar para o Carnaval de Torres Vedras.

“As minhas primeiras memórias de Carnaval são no estaleiro. Foi aí que começou a minha ligação forte ao Carnaval de Torres Vedras. Devia ter uns 4 anos quando o meu pai me levou pela primeira vez. Fiquei deslumbrado com aquilo. Os cabeçudos, os carros alegóricos, tudo me fascinou. O meu pai fazia parte da Comissão de Carnaval, que à época estava responsável pela organização do Carnaval de Torres Vedras, e visitava regularmente o estaleiro. Passei a ir com ele todas as semanas. Comecei a admirar os artesãos, o Chico da Bola, mais tarde o José Pedro Sobreiro”, recorda Bruno, que também começou a participar no Carnaval como folião por essa altura. “Lembro-me de ter 4 anos e participar nos ‘rallies trapalhões’ com os meus pais. Depois, lembro-me dos bailes de Carnaval, de andar no meio das serpentinas no Grémio e na Tuna [duas associações torrienses]. Mais tarde, já adolescente, lembro-me perfeitamente dos bailes de Carnaval na Física. E depois o Túnel, que é transversal a todos os torrienses”, conta Bruno, desfiando memórias de outros carnavais.

Quando José Pedro Sobreiro convidou Bruno Melo para trabalhar no estaleiro do Carnaval de Torres Vedras, já antecipava que a fibra de vidro seria o material predominante nos cabeçudos e carros alegóricos dos anos vindouros. “Não havia fibra de vidro no Carnaval. Havia pasta de papel e gesso com fartura, as coisas não duravam nada. Lembro-me de introduzir a fibra de vidro nos cabeçudos”; recorda, antes de revelar que a sua primeira escultura para o Carnaval de Torres Vedras foi D. Afonso Henriques. Tendo como mestre José Pedro Sobreiro, a sua grande referência, “não só como artista, mas também como pessoa”, Bruno Melo tornou-se um dos artesãos que participa na produção do Carnaval de Torres Vedras. 

Uns anos mais tarde, em 1991, Bruno juntou-se a outro escultor do Carnaval, Jorge Travanca, e fundaram a Guliver, uma marca que se afirmou no mercado com projetos pioneiros e inovadores na área tridimensional. “A Guliver inventou novos mercados. Não existiam pais natais em fibra. Também não existiam aqueles bonecos de cozinheiros com uma bandeja, que agora se veem em restaurantes. É com orgulho que digo que a Guliver fez escola, pois foram várias as empresas de animação visual que derivaram deste projeto”, diz Bruno. Primeiro na companhia do sócio Jorge Travanca, e depois sozinho, Bruno Melo fez a Guliver crescer até à crise de 2008. “Tinha cinquenta funcionários e, de um dia para o outro, deixou de haver trabalho. Nesta área, estamos no fio da navalha. Trabalhamos para a festa. Se não há dinheiro, corta-se na festa. Tive de declarar a insolvência da empresa e abri a Boom Land, uma empresa mais pequena, com dois sócios”, conta Bruno que, ao fim de alguns anos, decidiu partir para um novo desafio. “Abracei um projeto completamente novo e com uma filosofia de mercado diferente: a Gate 7”, diz, acrescentando que “a constante reinvenção de técnicas, a experimentação de novos materiais e a busca de novas soluções fazem parte da minha vida e estão ao serviço deste projeto”. 

Na Gate 7, Bruno conta com uma equipa experiente de doze pessoas, sendo que há um reforço de funcionários na época do Carnaval. Desde a sua fundação, em 2015, a Gate 7 já participou em inúmeros projetos, que vão desde aldeias Natal até campanhas de publicidade. Entre as muitas ideias vencedoras de Bruno Melo enquanto proprietário da Gate 7, destaca-se, por exemplo, o cortejo de Natal. “Como durante a pandemia não havia nenhuma aldeia Natal, decidi criar um conceito diferente, uma aldeia Natal móvel, que vai ter com as pessoas que nunca iriam a uma aldeia Natal. Vai aos lares, às escolas, aos velhinhos que vivem em freguesias distantes dos centros urbanos. Fizemos em Cascais, Seixal e Torres Vedras e quando acabou a pandemia, todas estas localidades mantiveram os cortejos de Natal”, declara com orgulho.

Ao longo de todos estes anos, o Carnaval manteve sempre um lugar de destaque no percurso artístico de Bruno Melo. Seja na Guliver, na Boom Land ou na Gate 7, a marca do artista plástico torriense nunca deixou de estar presente no “carnaval mais português de Portugal”. Além de carros alegóricos e cabeçudos, um elemento incontornável no Carnaval de Torres Vedras, Bruno Melo tem sido responsável pela ideia, design, construção e implantação do Monumento do Carnaval. “A Câmara Municipal de Torres Vedras lança um concurso de ideias e, posteriormente, escolhe as empresas que apresentam as melhores ideias. Depois, cada empresa tem autonomia na execução do monumento ou carros alegóricos que lhe são atribuídos”, explica, antes de acrescentar: “Desde que existe Monumento do Carnaval, há vinte e tal anos, só num ano é que não ganhei o concurso para a sua construção”. Bruno Melo atribui este facto ao enredo criado para cada um dos monumentos, o qual depende sempre do orçamento atribuído pela Câmara Municipal de Torres Vedras e do tema anual. 

A partir de 1988, por sugestão de José Pedro Sobreiro, o Carnaval de Torres Vedras passou a apresentar um tema anual, que surgiu no sentido de inspirar os artistas plásticos torrienses na conceção do monumento e carros alegóricos, bem como os foliões nas suas máscaras. Este ano, mais uma vez, a ideia escolhida para o Monumento do Carnaval foi da autoria de Bruno Melo. Além do monumento, a Gate 7 está também responsável pela conceção de três carros alegóricos, sendo que os outros três são feitos pela Impacto Visual, uma empresa torriense que atua na área de pintura, escultura e publicidade. Tendo como tema “50 anos, 25 de abril”, o Carnaval  de Torres Vedras 2025 representa mais um desafio para Bruno Melo. “É um tema complexo. O nosso ADN é a sátira, por isso vamos ter de satirizar o 25 de abril. Vou ter de ‘desenterrar’ o Soares, o Cunhal, o Salazar, não é possível falar do 25 de abril sem falar destas personagens”, diz, enquanto lixa uma cabeça em fibra de vidro de Zeca Afonso. Apesar do tema ser delicado e complexo, Bruno já está habituado a causar reações fortes. Em 2009, o Ministério Público proibiu uma sátira ao computador Magalhães por, supostamente, ter “conteúdo pornográfico”. Em causa estava um autocolante que simulava o ecrã do computador, inserido no Monumento do Carnaval, e onde se via uma página de classificados de um jornal com anúncios de serviços sexuais. A decisão do Ministério Público acabou por ter um volte-face, com a posterior autorização para a colocação de uma imagem idêntica à original. Outro dos trabalhos de Bruno Melo que esteve no centro de uma polémica foi a “Nossa Senhora da Bola”, uma escultura de uma Nossa Senhora com uma bola de futebol no lugar do rosto. A Paróquia de Torres Vedras manifestou-se ofendida com a presença da imagem no Monumento do Carnaval e solicitou a sua remoção, o que se veio a concretizar. Este episódio levou a que Bruno mostrasse a sua indignação nas redes sociais da Gate 7. “Em Torres Vedras, Carnaval é sátira, connosco e com os nossos, com os heróis e os vilões, os vivos e os mortos, os melhores e os menos bons, os políticos e os artistas”, escreveu Bruno Melo, além de lamentar “estas situações extremas de pressão que, em pleno século XXI, não têm qualquer sentido”. “A única coisa que queria dizer com aquilo é que o futebol é a religião do povo. Era a ‘Nossa Senhora da Bola’, não era a Nossa Senhora de Fátima da bola”. Seis anos depois, Bruno diz que se “pode brincar com tudo menos com a igreja, já senti isso em várias situações”. Independentemente das polémicas, o artista plástico vai continuar a dar asas à sua imaginação, “respeitando sempre o conceito, história e tradição do Carnaval de Torres Vedras”. 

Mesmo reconhecendo a extraordinária evolução do Carnaval de Torres Vedras ao longo das últimas décadas, Bruno Melo não deixa de fazer algumas críticas ao panorama atual. No seu entender, “hoje em dia, há um excesso de matrafonismo, parece que o Carnaval de Torres é só matrafonas. Não digo que se deva lutar contra isso, mas deve-se mostrar que há mais do que isso”. Como exemplo, Bruno aponta a máscara do saloio, que foi uma das imagens de marca do Carnaval de Torres Vedras ao longo de várias décadas, “e agora desapareceu”. Na verdade, se há alguém que pode dizer o que é melhor para o Carnaval de Torres Vedras, esse alguém é Bruno Melo, ou José Pedro Sobreiro. “Deve haver poucas pessoas com a experiência de A a Z que tenho no Carnaval. Tenho a parte da Comissão de Carnaval, devido ao meu avô e ao meu pai, depois tenho a parte dos estaleiros, que poucos têm, e depois tenho a parte de me mascarar e brincar ao Carnaval”, diz Bruno Melo, antes de concluir: “Adoro o Carnaval de Torres!”.   

Com uma carreira de mais de três décadas, recheada de momentos marcantes, Bruno Melo não hesita na hora de escolher o dia mais inesquecível da sua trajetória profissional. Por estranho que pareça, não está relacionado com o seu percurso como artista plástico. O dia em questão é 16 de julho de 2007, a data da cerimónia de abertura da primeira edição do Santa Cruz Ocean Spirit - Festival Internacional de Desportos de Ondas. “Até me arrepio quando penso nesse dia. Foi como se fosse o nascimento de um filho”, diz, referindo-se à concretização de um sonho de sete amigos. Tudo começou num “downwind”, que consistia numa travessia de kitesurf entre a Praia de Supertubos, em Peniche, e Santa Cruz. “Fiz com um amigo. Pegámos no kite e, a favor do vento, viemos até Santa Cruz. No ano seguinte, já organizámos um grupo de vinte pessoas para fazer esse percurso. Aí percebemos que aquilo tinha pernas para andar. Pensámos em organizar uma prova de kitesurf, mas como já tinha a experiência de ter organizado os primeiros campeonatos de surf em Santa Cruz, decidimos incluir o surf. Entretanto, já praticava SUP, além de waveski e kayaksurf, acrescentou-se o bodyboard, o skimboard, e o longboard e, de repente, tínhamos oito desportos”, conta Bruno Melo, continuando: “Não existia nada parecido com o Ocean Spirit. Um festival que juntasse tantas modalidades era algo inédito”. 

Cerca de 600 atletas, oriundos de vários países, incluindo alguns campeões do mundo de waveski, kayaksurf e kitesurf, o Santa Cruz Ocean Spirit 2007 foi um festival pioneiro. “O feedback que os atletas nos davam era que o Ocean Spirit era o melhor festival de ondas onde tinham estado. Nunca havia aborrecimento na praia, pois havia sempre ação no mar. Se abria um quebra-coco enorme para o surf, entrava o skimboard, se havia nortada, entrava o kitesurf”, explica um dos mentores do festival. No ano seguinte, o Festival Internacional de Desportos de Ondas voltou a ser um sucesso, até que, em 2009, a organização do festival deu “um passo maior do que a perna”. “Decidimos dar o salto para outra dimensão, usando um modelo mais a roçar os festivais de verão, sendo que nenhum de nós estava ligado à noite. Éramos todos pessoas ligadas ao dia e ao desporto. Entregámos o negócio da noite a uma empresa com experiência nessa área, mas não foi feita uma boa divulgação. Foi um desastre em termos financeiros. A partir daí, o Ocean Spirit nunca mais foi o mesmo”, afirma Bruno Melo, que acabou por abandonar o projeto em 2011, depois de saldar as dívidas aos fornecedores. Após ser mentor, organizador e atleta do Santa Cruz Ocean Spirit, saiu com o sentimento de missão cumprida. “Metemos Santa Cruz no mapa em termos de desportos de ondas. Antigamente, o pessoal passava diretamente da Ericeira para Peniche e nem vinha espreitar Santa Cruz. O Ocean Spirit veio mudar um pouco isso, começou-se a ver muito mais estrangeiros em Santa Cruz a partir de 2007”, diz o “waterman” de Santa Cruz.

O termo “waterman” é utilizado para designar pessoas que conhecem e usufruem do mar na sua plenitude, dominando diversas modalidades. É possível encontrar o nome de Bruno Melo associado a este termo em vários sites e blogs de desportos de ondas. “Encaro-me como ‘waterman’. Estou sempre atento a tudo o que aparece de novo que dê para deslizar nas ondas. Não consigo ficar parado a olhar para o mar, incomoda-me não ter um brinquedo para ir lá. Não interessa se é um kayak, uma prancha, um waveski, um kite, o que interessa é estar no mar. É a paixão da minha vida”, confessa Bruno Melo, que não se limita a dominar diversas modalidades. No seu palmarés constam três títulos de campeão nacional de waveski, dois títulos de campeão nacional de kayaksurf e dois títulos de campeão nacional de kitesurf, modalidade em que chegou a alcançar um terceiro lugar num mundial. Apesar de já não praticar surf há mais de 20 anos, não tem dúvidas de que este desporto foi fundamental no seu percurso como “waterman”. “O surf é a base de tudo. Parecendo que não, surfei dos 12 aos 20 anos, foi aí que aprendi a ler o mar”, lembra Bruno. Entre todas as modalidades que praticou, considera que o kitesurf terá sido aquela em que chegou mais longe. “Cheguei a um nível em que ou me dedicava à modalidade como profissional ou me dedicava ao trabalho, e eu optei pelo trabalho”, conta, antes de revelar o segredo do seu êxito no kitesurf. “Acho que foi o mar de Santa Cruz que fez com que tivesse bons desempenhos no kitesurf. Comparando com o Guincho ou Sagres, por exemplo, Santa Cruz não é muito ventoso. Por isso, aprendi a andar com pouco vento, o que é muito mais difícil do que com muito vento. Depois, o mar de Santa Cruz não é pêra doce. Estava habituado a levar porrada do mar, tinha essa experiência. Foi por isso que fui bicampeão nacional de kitesurf”, diz com humildade. Quanto à modalidade mais radical que já praticou, Bruno Melo é perentório: canoagem de águas bravas. “É mais perigoso do que surfar uma onda de 30 metros. Numa onda grande é preciso um grande treino de apneia, uma boa equipa e tomates. Com estes três fatores, estás preparado para as ondas grandes. Na canoagem de águas bravas é uma lotaria, os obstáculos não estão visíveis, nunca sabemos o que está por baixo”, explica, prosseguindo: “Houve uma altura em que pratiquei muito essa modalidade. Comecei a meter-me com malta que andava muito mais do que eu e, ao querer fazer frente e pontuar nas provas, ia ficando no rio Paiva. É engraçado que os maiores cagaços da minha vida não tenham sido no mar, foram em água doce”. Atualmente, Bruno Melo está numa fase de aprendizagem de um novo desporto aquático: o wing foil. “Não tenho tido muito tempo para me dedicar, mas já me desenrasco bem”, revela, referindo que esta modalidade, por não precisar de muito vento, permite que desfrute de tempo em família entre surfadas. “Podemos estar juntos na praia, depois vou para a água um bocado e volto. Adoro partilhar a minha paixão pelo mar com amigos e, sobretudo, com os meus filhos”, diz Bruno Melo, que é pai de dois rapazes e duas raparigas.

Escultor de profissão e surfista por paixão, Bruno Melo é um “inconformado”, como o próprio se define, o que se revela na sua obra enquanto artista plástico. O equilíbrio que precisa para continuar a ter ideias fora da caixa está no mar. “Uma coisa é certa, trabalho para poder ir para o mar, sempre o fiz”, conclui o “waterman” de Santa Cruz. 

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