Gilberto Róia

A vila de Água de Pau está situada no concelho de Lagoa, na costa sul da ilha de São Miguel, a maior e mais populosa das nove ilhas dos Açores. Com uma ligação secular à cestaria, atividade que se manteve bastante intensa até meados do século XX, Água de Pau ainda conta com alguns representantes desta arte no ativo. Um desses artesãos chama-se Gilberto Tavares Róia, cesteiro há mais de 60 anos.

Nascido em 1952, Gilberto começou muito novo a trabalhar o vime. “Tinha 8 anos e já fazia fundos para o meu pai depois completar os cestos”, lembra o cesteiro, descendente de uma família com fortes ligações a esta arte. “Chegou a haver cerca de 50 pessoas da minha família a fazer cestos. Primos, tios, irmãos. Somos cinco irmãos e todos fazíamos cestos”, diz, acrescentando que, após o pai falecer, foi o único que seguiu esta vida.

Os principais clientes começaram por ser as empresas de construção, que usavam cestos grandes para transportar “cascalho, areia, material de construção”, e os agricultores, que precisavam dos cestos para o transporte de “uvas, beterraba, milho ou batata”. Durante algum tempo, também vendeu peças mais pequenas para um cliente que tinha uma loja no Mercado da Graça, em Ponta Delgada. Mais tarde, comprou uma carrinha e começou a sua vida como vendedor ambulante, percorrendo a ilha de São Miguel para vender o seu artesanato.

Tendo sobrevivido ao aparecimento do plástico que, na forma de baldes, veio substituir o vime na construção civil e na agricultura, Gilberto Róia foi alargando a sua oferta ao longo do tempo. No seu catálogo de produtos, constam cestos de piquenique, açafates, cestos para flores, canastras, bandejas, lustres, entre muitos outros artigos em vime. Algumas destas peças surgiram por intermédio de sugestões dos clientes, que vão dando ideias para artigos de diferentes tamanhos e formatos. Com clientes espalhados por todas as ilhas do arquipélago dos Açores, bem como em Portugal continental, o cesteiro orgulha-se da carreira que construiu.

Quando não está a fazer peças em vime, Gilberto está a trabalhar no campo à volta da sua casa. “Dantes era vime até lá acima”, diz, apontando para o ponto mais alto do seu terreno. Apesar de ter reduzido significativamente o cultivo do vime, continua a produzir a matéria-prima que usa nos seus trabalhos de cestaria.

“Em dezembro, começa-se a cortar o vime”, diz Gilberto Róia, antes de passar a explicar o passo seguinte: “Levamos os molhos de vime para a Lagoa das Furnas e colocamos dentro da caldeira. Depois tapamos com plásticos. Leva três horas a cozer”. Em seguida, com a ajuda do filho e dos genros, os molhos de vime são transportados para a carrinha que os levará de volta para Água de Pau. “Depois de descascado, o vime fica uns três dias ao sol”, explica, dizendo que “para sabermos se está seco, apertamos o vime na mão durante um pouco. Se sentirmos frio, é porque não está seco. Quando a mão fica quente, é porque o vime está seco”. No fim, o vime é arrumado num pequeno armazém e “vai se pondo de molho no tanque à medida que é preciso para trabalhar”.

O trabalho de cesteiro é feito num sobrado, um pequeno pavimento de madeira onde se trabalha o vime. Tal como os seus antepassados, Gilberto Róia usa as mãos e os pés para criar cestas e afins. “Aqui em Água de Pau, os cesteiros trabalhavam todos assim”, diz, orgulhoso por manter viva uma tradição que atravessou gerações. “As únicas ferramentas que uso são a navalha para cortar, a rachadeira para dividir o vime e as estacas de ferro para bater. Uma maior e outra mais pequena, dependendo do tamanho do cesto”, explica, dizendo que apenas utiliza uma máquina em todo o processo, a máquina de limpar o vime.

Embora continue a trabalhar “todos os dias”, Gilberto já não o faz com a mesma intensidade. “Ele chegou a levantar-se às 2h da manhã para trabalhar e às 17h ia tomar um duche para se ir deitar. Teve esse horário de trabalho durante muitos anos. Mas agora já não é assim. Às vezes, às 7h da manhã, quer se levantar e não consegue”, diz Lúcia Soares, a mulher com quem Gilberto é casado há 48 anos. Além de ajudar a descascar o vime, Lúcia, sempre que necessário, também auxilia no processo de produção dos cestos.

Apesar da saúde debilitada, Gilberto Róia “não pára”, segundo a esposa. Uma parte do terreno que, em tempos, estava coberto de vime, é agora composta por pasto, onde tem alguns bezerros, e por uma horta e um pomar onde planta um pouco de tudo. “Agrião, cebolinho, açafrão, salsa, tomilho, sálvia, alecrim, limões, goiabas... e ainda temos um bocadinho de vinha”, diz Gilberto, enquanto trabalha a terra. Mais do que ser um dos últimos representantes da cestaria típica da vila de Água de Pau, Gilberto Tavares Róia é um homem realizado com aquilo que alcançou para si e para a sua família, fruto de uma vida de trabalho.

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