Roberto “Cabreiro”
Em Porto Formoso, uma freguesia do concelho de Ribeira Grande, vive um dos últimos pastores de cabras de São Miguel. Roberto Plácido – ou Roberto “Cabreiro”, como prefere ser chamado – pertence à terceira geração de uma família de pastores. “O meu avô já era pastor; o meu pai nasceu e foi criado nesta vida; eu sempre andei nisto”, conta Roberto, resumindo o percurso da família no pastoreio.
“Comecei a ajudar o meu pai com 7 anos”, diz Roberto “Cabreiro” que, assim que terminou o 6º ano de escolaridade, abandonou a escola, dedicando-se a tempo inteiro ao negócio da família. Depois de se casar, chegou a trabalhar, cerca de uma década, na exploração de vacas da família proprietária da Fábrica de Chá Gorreana, a mais antiga fábrica de chá da Europa. “Era lavrador. Trabalhava na lavoura com as vacas. Depois tive problemas na coluna, fui operado duas vezes, ficando incapacitado de trabalhar, e meti-me nisto”, recorda, concluindo: “Já estou nesta vida há perto de 22 anos consecutivos”.
Sendo “o único pastor de cabras na zona de Porto Formoso”, Roberto “Cabreiro” não tem dúvidas em afirmar que “isto já deu mais do que atualmente”. Se em tempos a mãe de Roberto fazia “100 ou 200 queijos de cabra e tudo se vendia”, hoje em dia, praticamente não se vendem, visto que Roberto não dispõe dos meios para cumprir o rigoroso processo de produção de queijos exigido por lei. Além do leite produzido pelas suas cabras, Roberto “Cabreiro” cria bezerros para vender, sendo essa a sua principal fonte de rendimento.
“Durante todo o ano, levanto-me às 4h da manhã. Depois da ordenha, levo os bichos para aqui e para ali, para encherem a barriga. Em diferentes zonas, estou sempre a mudar. Estão a pastar das 5h às 10h. Depois vão para o curral até às 13h30, saem outra vez e só regressam perto das 19h”, diz Roberto, que se faz sempre acompanhar pela sua égua Estrela e por um dos seus dois cães de raça Fila de São Miguel. Quer seja o Valente ou a Fatinha (pai e filha) a sair de manhã para ajudar Roberto a pastar cerca de uma centena de cabras, o pastor está sempre bem acompanhado. “São os melhores amigos que tenho”, diz, enquanto afaga Fatinha, uma cadela que “vai fazer 3 anos em outubro”. O Cão de Fila de São Miguel, uma raça de cão pastor originária da ilha de São Miguel, é conhecido, entre outras coisas, pela enorme devoção e fidelidade para com o dono. Valente e Fatinha não fogem à regra. As suas qualidades como cães de trabalho e de condução do gado já levaram a que o pastor recebesse propostas para os vender. Confrontado com essa possibilidade, Roberto apenas diz: “Não há dinheiro nenhum que pague o amor que tenho pelos meus cães”.
O trabalho de Fatinha ou Valente é fundamental para conduzir as cabras ao longo de um território marcado por fortes inclinações. “A cabra é um bicho muito teimoso. Se não tivesse cão, não conseguia orientar as cabras. Às vezes, basta chamar o nome da Fatinha, e elas orientam-se logo de outra maneira”, diz Roberto “Cabreiro”, antes de acrescentar que “é preciso ter muito gosto e muita paciência para trabalhar com cabras”.
Tendo vivido sempre próximo dos pais, em Porto Formoso, Roberto orgulha-se das suas raízes e de ter estado “sempre presente”, enaltecendo o papel do pai no sustento da família. “O meu pai criou os seus três filhos, comprou uma casa, desmanchou-a toda e construíu-a novamente, sempre nesta vida”, diz Roberto, que também é pai de dois filhos e avô de um neto. Aos 49 anos, Roberto “Cabreiro” vai continuar, “faça chuva, vento ou sol”, a percorrer longas distâncias em busca de pasto para o seu rebanho. “Tenho muito gosto nisto”, diz o pastor, com o brilho nos olhos de quem faz o que gosta.