António Duarte

Nascido em Angola, no ano de 1974, António Duarte ainda não tinha 2 anos quando se mudou para Portugal. Começou por viver em Lisboa, passou pela Amora, até que, em 1979, a família se fixou em Carcavelos. Por influência dos pais, ambos cabo-verdianos, António habituou-se a ouvir música desde criança, especialmente música de Cabo Verde. À medida que foi crescendo, o interesse e a curiosidade pela música foram-se alargando a outros estilos musicais, como o rock, o reggae e a música eletrónica. No entanto, foi o hip-hop que o arrebatou na adolescência. Em 1992, António fundou com três amigos a banda Zona Dread, cujo maior êxito foi “Só Queremos Ser Iguais”, um dos dois temas da banda que integrou o álbum “Rapública”, a primeira compilação de rap português. Tendo começado por ser DJ, um talento que desenvolveu na mesa de mistura do irmão mais velho, António tornou-se MC (Mestre de Cerimónias) quando passou a integrar a banda RAP - Ritmo Às Palavras. Três anos e dois discos depois, António abraçou um novo projeto musical, os Mundo Complexo, com influências que vão do reggae ao funk, rock e soul, passando pelo hip-hop, obviamente. Pouco tempo antes, a percussão entrou na sua vida para não mais sair. “Estava num jardim com um amigo que tinha um djembé, pedi-lhe para tocar um bocadinho e apaixonei-me por aquele instrumento”, conta António, que já passou por várias bandas como percussionista desde então. A primeira foi os Batoto Yetu, uma associação sem fins lucrativos de danças tradicionais africanas, onde tocou mais de uma década. Posteriormente, foi percussionista dos One Sun Tribe, uma banda de reggae fundada em Cascais, e de Freddy Locks, um cantor de reggae português. Além disso, fez parte do projeto Family Complow, que criou com os irmãos Nelo e Nelson, mais conhecido como Nel’Assassin, um dos DJs mais respeitados do hip-hop português, e com o primo Tomé, ou Sagas, como é conhecido no mundo do hip-hop. Atualmente, António Duarte é percussionista do projeto Rocky Marsiano, cujo produtor é o luso-croata Marko Roca. Amigo de adolescência de António, Marko Roca é conhecido pelo nome de D-Mars, sendo considerado um dos mais importantes representantes do hip-hop nacional. Depois de ter criado os Zona Dread, juntamente com António e mais três amigos (Tony MC Dread, Jazzy J e Dani), e os Micro, com Nel’Assassin e Sagas, D-Mars convidou António para ser responsável pela percussão do seu novo projeto, Meu Kamba Sounsystem, cujo álbum mais recente, Meu Kamba Jazz, foi lançado em setembro de 2023. Nos vários projetos em que participou, António Duarte usou diferentes nomes artísticos. Desde Tony Moca, como DJ dos Zona Dread, passando por Tony Verme, enquanto MC dos RAP - Ritmo Às Palavras, até Tony Clean, nos Mundo Complexo, António Duarte assumiu diferentes identidades, sempre com o mesmo amor à música. O músico de Carcavelos tem na calha um novo projeto chamado Original Copi. Apesar de ainda ser “um projeto muito fresco”, o primeiro álbum de António Duarte será “essencialmente um projeto de música eletrónica”, que incluirá uma mistura de várias sonoridades que fazem parte da sua vida.

A profunda ligação de António Duarte à música ganhou uma nova dimensão em 2001, quando surgiu a oportunidade de tirar um curso de construção de instrumentos de cordas. “Quando fazia parte dos Batoto Yetu, a diretora musical da companhia convidou os percussionistas a participar num curso que a Câmara Municipal de Oeiras e o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) iam realizar no Alto da Loba, em Paço de Arcos”, conta António, que não hesitou em abraçar uma arte muito diferente do que estava acostumado. “Era uma área diferente, mas era música”, diz com um sorriso. Uma das várias disciplinas do curso, que teve a duração de 13 meses, era ministrada por Gilberto Grácio, considerado um dos mais conceituados construtores de guitarra portuguesa e herdeiro de uma dinastia de mestres nesta arte. Das suas mãos saíram guitarras e violas para vários músicos de renome, como Carlos Paredes, António Chainho, Paulo de Carvalho e até Jimmy Page, membro fundador do lendário grupo de rock britânico Led Zeppelin. Após a conclusão do curso, seis dos doze alunos, entre os quais estava António Duarte, mostraram vontade em continuar a aprender com o mestre Gilberto Grácio. “O meu mestre propôs à Câmara Municipal de Oeiras que não cobraria nada para ensinar os seis alunos que estavam interessados em aprender se fossem criadas as condições para isso”, diz António, antes de agradecer ao município de Oeiras por ter disponibilizado o espaço onde se realizou o curso. “Durante três anos, estivemos seis pessoas no Alto da Loba a construir guitarras, ensinadas pelo Mestre Grácio. Ele vinha todos os dias de Agualva, Cacém, para nos ensinar sem ser remunerado. Tinha muita vontade de partilhar o seu conhecimento”, conta, lembrando que nenhum dos dois filhos de Gilberto Grácio lhe seguiu as pisadas no ofício. Depois de mais de 4 anos de aprendizagem com o mestre guitarreiro, a ligação de António Duarte a Gilberto Grácio estendeu-se por mais 11 anos. “Aluguei um espaço com um colega na Outurela. O mestre estava sempre lá a supervisionar o processo de trabalho. Chegou a um ponto em que preferia estar connosco a ensinar do que na sua oficina a trabalhar sozinho. Enquanto estivemos com ele, os rótulos das guitarras que construímos diziam ‘com a supervisão do mestre Gilberto Grácio’”, conta António, antes de acrescentar que “foi uma bênção ter aprendido com o meu mestre”. Quando saiu da Outurela, em 2016, fixou-se em Sassoeiros, onde esteve cerca de 6 anos. No início de 2022, com o apoio da Câmara Municipal de Cascais e da União de Freguesias de Carcavelos e Parede, mudou-se para São Miguel das Encostas, Carcavelos, onde está localizada a sua oficina, no espaço Geração C.

Com mais de 20 anos de carreira como luthier - profissional especializado na construção e reparação de instrumentos musicais de corda - António Duarte já construiu guitarras de Lisboa e de Coimbra, bandolins, cavaquinhos e inúmeras violas, num total de 130 cordofones. A sua lista de clientes inclui amantes de instrumentos, colecionadores e músicos, como os guitarristas Fernando Silva e Paulo Parreira. Através das plataformas online, António Duarte já vendeu instrumentos para diferentes pontos do mundo. “Atualmente é mais fácil chegar ao Japão, por exemplo, consigo expor o meu trabalho no mundo inteiro. É importante lembrar que, desde que o fado foi considerado Património Cultural Imaterial da Humanidade, em 2011, isso representou uma alavanca para que houvesse mais interesse pelo estilo musical e também pela guitarra portuguesa”, refere o luthier que, por enquanto, não sabe tocar os instrumentos que constrói. “Tenho duas coisas em comum com Antonio Stradivari [famoso fabricante de violinos]. A primeira é o nome e a segunda é o facto de não tocar o instrumento que construo. Ele também não tocava, era só construtor”, diz António Duarte, antes de revelar um dos segredos da construção de instrumentos de cordas. “A matemática é a única forma de equilibrar uma escala”, explica, acrescentando que o perfecionismo é outro dos segredos por trás do sucesso de um luthier. “Uma vez perguntei ao meu mestre qual era o segredo da construção de guitarras. Ele disse que o segredo da construção está em fazer tudo bem. Eu pensei: Então só o mestre Grácio é que sabe fazer”, conta, soltando uma gargalhada. Para fazer tudo bem, António Duarte segue o método de construção que foi apurado ao longo de três gerações pela família Grácio. Um dos princípios do “método Grácio”, segundo António, assenta na escolha de madeiras de eleição, privilegiando o pau-santo, a nogueira e o cedro. “A guitarra portuguesa é um instrumento muito versátil em termos tímbricos, tem graves, tem médios, tem agudos, portanto, tem uma amplitude muito grande. Além disso, tem uma caixa de ressonância diferente do comum, com uma afinação própria”, explica António, antes de concluir: “Para fazer uma boa guitarra, é importante escolher uma boa madeira”.

Prestes a completar 50 anos, António Duarte já não se apresenta como MC ou percussionista, mesmo que, por vezes, se junte aos amigos e colegas da banda Mundo Complexo para dar um concerto esporádico ou faça “uma forte sessão de djembé para matar saudades”. Luthier há mais de duas décadas, António continua a viver a música da mesma forma que o fazia quando ia tocar djembé para o túnel de acesso à praia de Carcavelos. Além do projeto Original Copi, que irá lançar no futuro, e que será o seu primeiro trabalho a solo enquanto músico, o luthier António Duarte quer manter “o método Grácio vivo até as tendinites não deixarem mais”. “O trabalho do meu mestre tem de ser respeitado, preservado e mantido”, afirma, enquanto pega no primeiro instrumento que construiu, uma viola clássica em nogueira portuguesa. O luthier de Carcavelos também pretende “aprender a tocar viola clássica ou viola de fado, não com o objetivo de acompanhar alguém a cantar, mas porque quero passar de um instrumento de percussão para um instrumento de acordes”. Outro dos objetivos de António Duarte é ensinar a profissão de luthier, esteja onde estiver. “Um dia passarei este conhecimento, esperemos que seja para um cascalense. Se continuar a ter o apoio da Câmara Municipal de Cascais e da União de Freguesias de Carcavelos e Parede, irei ensinar um puto aqui da zona. O objetivo é esse, mas também pode ser em outra parte do país, depende de onde esteja”, diz António Duarte, mostrando vontade de transmitir às novas gerações o imenso legado que Gilberto Grácio deixou.

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